A IMAGEM DO BANAL
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Num dos meus últimos passeios elos blogues que se preocupam com a fotografia, descobri no http://tramafotografica.wordpress.com/, o texto que transcrevo a seguir. Um ponto de vista que merece alguma atenção.
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Analisar uma imagem é muito mais do que simplesmente
reconhecer o seu traço. É preciso entender as estéticas fotográficas.
Vou partir de um conceito – de entre os muitos possíveis –
de que a fotografia antes de mais nada, pertence à esfera da comunicação e não
da arte. Está na sua ontologia, no seu DNA, na intencionalidade de quem a
inventou.
Qual a função da imagem fotográfica?
Partimos de uma premissa explicitada por Andre Rouillé: “as fotografias
não documentam objectos ou pessoas, mas documentam situações e representações”.
Devemos portanto, compreender a criação fotográfica dentro de um contexto
sócio-histórico.
Há tempos, a semiótica já nos ajudou a compreender que o
significado das mensagens fotográficas é culturalmente determinado e a sua
recepção necessita de códigos de leitura.
Neste caminho contarei com a ajuda de autores como Umberto
Eco (Os limites da Interpretação);
Laurent Gervereau (Histoire Du visuel ao
XX si`ecle); Lorenzo Vilches (La Lectura de la Imagen ); Martine Joly (A Imagem e sua Interpretação); Giuseppe Mininni (Psicologia Cultural da Mídia); Oliver
Sacks (O olhar da Mente); Ian
Jefrrey (How to Read a Photography);
Alberto Manguel (Lendo Imagens);
Luciano Trigo (A Grande Feira) e
Charlotte Cotton (A fotografia como arte
contemporânea).
Diz Martine Joly: “como existem diversos tipos de imagens,
existem inevitavelmente diversos tipos de interpretações. Nenhuma mensagem,
seja ela qual for, pode arrogar-se numa interpretação inequívoca”.
Mesmo assim, devemos também lembrar (Umberto Eco) que “a
interpretação de uma obra não é ilimitada, existem regras de funcionamento”.
É também inegável que muitas vezes somos reféns dos nossos
próprios olhos e do nosso referencial teórico e repertório cultural. Muitas
vezes, antes de interpretar uma imagem eu já criei um significado. Claro que
isso não significa que ele permanece imutável. Mais uma vez recorremos a Joly:
“em
que medida a nossa interpretação está já em parte construída, mesmo antes de
termos acesso às mensagens visuais em concreto?”
Interpretar é conferir sentido. O contexto sócio-histórico
de alguma maneira já nos “condiciona” a uma determinada interpretação: “o
reconhecimento de representações pode requerer uma espécie de aprendizagem, a
compreensão de um código ou a convenção além daqueles necessários para
compreender os objectos”, relata Oliver Sacks.
A grande dificuldade que temos, é afirmar categoricamente
que linha devemos seguir para interpretar as mensagens visuais.
Martine Joly apresenta-nos esta multiplicidade: conhecimento
(formas que o homem dispõem para se conhecer e conhecer seu o ambiente);
percepção (teoria da revelação do mundo); recepção (teoria da recepção das
obras); leitura (semiologia/semiótica) e interpretação (os limites): “durante
anos privilegiou-se o autor, em seguida a obra para terminarmos com o
espectador”. Todos estes conceitos, na verdade, podem ser resumidos num
único: ler imagem e atribuir significados.
Interpretar é criar um ritmo, uma leitura possível, atribuir
sentido e significado para aquilo que foi construído imageticamente.
Lembramos o que já sabemos: o carácter ambíguo da fotografia.
Seguindo as linhas teóricas da semiótica e pensando na fotografia como vestígio
do real (portanto indiciária), ela afirma a existência, mas por ser
representação ela é sempre uma ficção.
Aqui, quem nos ajuda é o Alberto Manguel: “…a
existência passa num rolo de imagens que se desdobra continuamente, imagens
capturadas pela visão e realçadas ou moderadas pelos outros sentidos, imagens
cujos significados (ou suposição de significados) varia constantemente
configurando uma linguagem feita de imagens traduzidas em palavras e das
palavras traduzidas em imagens, por meio das quais tentamos abarcar e
compreender a nossa existência”. Portanto, estamos na área dos
símbolos, sinais, mensagens, alegorias: “a imagem dá origem a uma história que por
sua vez dá origem a uma imagem”. Mudanças de pontos de vista, mudanças
de interpretações.
A partir destas premissas tentamos compreender a construção
da fotografia contemporânea e as suas problemáticas.
Começamos com uma frase do pintor Kandisky e que também
inicia o livro de Luciano Trigo “A grande Feira”: “Cada época cria uma arte que lhe
é própria e que nunca renascerá”. Parece que a arte própria da nossa
época é aquela conseguida por meio da imagem fotográfica. A fotografia está na
moda: todos falam sobre fotografia, sucedem-se festivais por todo o lado, abrem
cursos académicos permanentemente, são mostradas fotografias constantemente.
Mesmo assim, parece que ainda existe um vácuo, um grande vazio sobre o pensar
fotografia.
Discussões giram sempre à volta de clichés do tipo: “hoje
toda gente fotografa”, “hoje qualquer um é fotógrafo”… Ora
isso acontece desde a invenção da fotografia. Não é nenhuma novidade. A
novidade é que se fala mais sobre isso. E qual é o problema por toda a
gente fotografar? Alguém ficaria triste se o mundo fosse alfabetizado? Se soubesse
ler e escrever? Qual é o problema? Reserva de mercado? Esquecem-se que quanto
mais as pessoas fotografarem maior será sua a capacidade de alfabetização
visual, de saber compreender a dificuldade em fazer uma imagem. Nem toda a
gente que sabe ler e escrever é Machado de Assis. O que deveriam dizer os
cineastas então, quando agora qualquer fotógrafo acha que pode fazer um vídeo?
Um filme? E muitos de péssima qualidade sem a menor linguagem cinematográfica? Sim, fotografa-se muito hoje, mas nunca
se viu tão pouco.
O que estamos vendo? Qual o papel da fotografia? Construções
artísticas (no sentido mais amplo desta palavra) ou atendimento a um mercado
das galerias? Como ler e interpretar uma imagem hoje?
Ainda referenciando o livro do Luciano Trigo, lemos logo nas
primeiras páginas: “o sonho de qualquer jovem artista é ser absorvido pelo sistema, ter
conotação internacional, expor nas galerias e museus da moda aparecer nos média”.
E é isso que vemos hoje; curadores e professores referenciando obras que eles
mesmo cultivam, criadores de fogos de artifício.
Sempre as mesmas pessoas nos mesmos lugares, um ou dois
curadores da moda no máximo, que nos obrigam a ver sempre as mesmas obras das
mesmas pessoas.
Por outro lado é bem verdade que nunca se falou tanto sobre
fotografia. Diz Charlotte Cotton: “estamos a viver um momento excepcional para
a fotografia, pois hoje, o mundo da arte acolhe-a como nunca o fez e os
fotógrafos consideram as galerias e os livros de arte o espaço natural para
expor seu trabalho”.
Repetimos a pergunta, o que estamos vendo? “A
percepção não se separa da compreensão. Todo o acto de ver implica saber o que
se vê”, ensina Lorenzo Vilches.
Portanto, embora uma imagem possa remeter ao visível, tomar
alguns traços emprestados do visual, sempre depende da produção de um sujeito.
Lê-la não é tão natural como parece: “O facto de o homem ter produzido imagens em
todo o mundo, desde a pré-história até aos nossos dias, faz com que acreditemos
ser capazes de reconhecer uma imagem figurativa em qualquer contexto histórico
e cultural. No entanto, deduzir que a leitura da imagem é universal, revela
confusão e desconhecimento”(Martine Joly).
Ler uma imagem da contemporaneidade é tentar compreender a
demanda de produção, a falta de substância ou espessura por trás de uma
imagem ou que leva muitos críticos a criarem definições como a estética
inexpressiva nascida nos anos 50 na escola alemã; ou “imagens de alguma coisa”,
fotografias que nascem do mero encontro casual; ou a “fotografia de consequência”,
a que se liga mais ao documental. “Fotógrafos que desconstroem o fotojornalismo,
fotografando temas ligados à imprensa mas com um olhar artístico”.
Ler uma imagem contemporânea é compreender que já ninguém
quer ser fotógrafo hoje em dia, todos querem e se auto-denominam artistas. Mas
ao mesmo tempo que procuram criar novas estéticas, a fotografia – sempre
independente – transforma-se hoje pela mão destes artistas na imagem do banal, numa
“fotografia sem qualidade”, como afirma Dominique Baqué fazendo referencia ao
livro de Musil “Um homem sem qualidade”.
A arte do banal.
A fotografia volta a ser a arte de expressão de massa
por excelência.
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