sábado, 29 de dezembro de 2012

A IMAGEM DO BANAL
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Num dos meus últimos passeios elos blogues que se preocupam com a fotografia, descobri no http://tramafotografica.wordpress.com/, o texto que transcrevo a seguir. Um ponto de vista que merece alguma atenção.
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Analisar uma imagem é muito mais do que simplesmente reconhecer o seu traço. É preciso entender as estéticas fotográficas.

Vou partir de um conceito – de entre os muitos possíveis – de que a fotografia antes de mais nada, pertence à esfera da comunicação e não da arte. Está na sua ontologia, no seu DNA, na intencionalidade de quem a inventou.

Qual a função da imagem fotográfica?
Partimos de uma premissa explicitada por Andre Rouillé: “as fotografias não documentam objectos ou pessoas, mas documentam situações e representações”. Devemos portanto, compreender a criação fotográfica dentro de um contexto sócio-histórico.

Há tempos, a semiótica já nos ajudou a compreender que o significado das mensagens fotográficas é culturalmente determinado e a sua recepção necessita de códigos de leitura.

Neste caminho contarei com a ajuda de autores como Umberto Eco (Os limites da Interpretação); Laurent Gervereau (Histoire Du visuel ao XX si`ecle); Lorenzo Vilches (La Lectura de la Imagen); Martine Joly (A Imagem e sua Interpretação); Giuseppe Mininni (Psicologia Cultural da Mídia); Oliver Sacks (O olhar da Mente); Ian Jefrrey (How to Read a Photography); Alberto Manguel (Lendo Imagens); Luciano Trigo (A Grande Feira) e Charlotte Cotton (A fotografia como arte contemporânea).
Diz Martine Joly: “como existem diversos tipos de imagens, existem inevitavelmente diversos tipos de interpretações. Nenhuma mensagem, seja ela qual for, pode arrogar-se numa interpretação inequívoca”.
Mesmo assim, devemos também lembrar (Umberto Eco) que “a interpretação de uma obra não é ilimitada, existem regras de funcionamento”.

É também inegável que muitas vezes somos reféns dos nossos próprios olhos e do nosso referencial teórico e repertório cultural. Muitas vezes, antes de interpretar uma imagem eu já criei um significado. Claro que isso não significa que ele permanece imutável. Mais uma vez recorremos a Joly: “em que medida a nossa interpretação está já em parte construída, mesmo antes de termos acesso às mensagens visuais em concreto?
Interpretar é conferir sentido. O contexto sócio-histórico de alguma maneira já nos “condiciona” a uma determinada interpretação: “o reconhecimento de representações pode requerer uma espécie de aprendizagem, a compreensão de um código ou a convenção além daqueles necessários para compreender os objectos”, relata Oliver Sacks.

A grande dificuldade que temos, é afirmar categoricamente que linha devemos seguir para interpretar as mensagens visuais.

Martine Joly apresenta-nos esta multiplicidade: conhecimento (formas que o homem dispõem para se conhecer e conhecer seu o ambiente); percepção (teoria da revelação do mundo); recepção (teoria da recepção das obras); leitura (semiologia/semiótica) e interpretação (os limites): “durante anos privilegiou-se o autor, em seguida  a obra para terminarmos com o espectador”. Todos estes conceitos, na verdade, podem ser resumidos num único: ler imagem e atribuir significados.

Interpretar é criar um ritmo, uma leitura possível, atribuir sentido e significado para aquilo que foi construído imageticamente.
Lembramos o que já sabemos: o carácter ambíguo da fotografia. Seguindo as linhas teóricas da semiótica e pensando na fotografia como vestígio do real (portanto indiciária), ela afirma a existência, mas por ser representação ela é sempre uma ficção.

Aqui, quem nos ajuda é o Alberto Manguel: “…a existência passa num rolo de imagens que se desdobra continuamente, imagens capturadas pela visão e realçadas ou moderadas pelos outros sentidos, imagens cujos significados (ou suposição de significados) varia constantemente configurando uma linguagem feita de imagens traduzidas em palavras e das palavras traduzidas em imagens, por meio das quais tentamos abarcar e compreender a nossa existência”. Portanto, estamos na área dos símbolos, sinais, mensagens, alegorias: “a imagem dá origem a uma história que por sua vez dá origem a uma imagem”. Mudanças de pontos de vista, mudanças de interpretações.

A partir destas premissas tentamos compreender a construção da fotografia contemporânea e as suas problemáticas. 
Começamos com uma frase do pintor Kandisky e que também inicia o livro de Luciano Trigo “A grande Feira”: “Cada época cria uma arte que lhe é própria e que nunca renascerá”. Parece que a arte própria da nossa época é aquela conseguida por meio da imagem fotográfica. A fotografia está na moda: todos falam sobre fotografia, sucedem-se festivais por todo o lado, abrem cursos académicos permanentemente, são mostradas fotografias constantemente. Mesmo assim, parece que ainda existe um vácuo, um grande vazio sobre o pensar fotografia.
Discussões giram sempre à volta de clichés do tipo: “hoje toda gente fotografa”, “hoje qualquer um é fotógrafo”… Ora isso acontece desde a invenção da fotografia. Não é nenhuma novidade. A novidade é que se fala mais sobre isso.  E qual é o problema por toda a gente fotografar? Alguém ficaria triste se o mundo fosse alfabetizado? Se soubesse ler e escrever? Qual é o problema? Reserva de mercado? Esquecem-se que quanto mais as pessoas fotografarem maior será sua a capacidade de alfabetização visual, de saber compreender a dificuldade em fazer uma imagem. Nem toda a gente que sabe ler e escrever é Machado de Assis.  O que deveriam dizer os cineastas então, quando agora qualquer fotógrafo acha que pode fazer um vídeo? Um filme? E muitos de péssima qualidade sem a menor linguagem cinematográfica? Sim, fotografa-se muito hoje, mas nunca se viu tão pouco.
O que estamos vendo? Qual o papel da fotografia? Construções artísticas (no sentido mais amplo desta palavra) ou atendimento a um mercado das galerias? Como ler e interpretar uma imagem hoje?

Ainda referenciando o livro do Luciano Trigo, lemos logo nas primeiras páginas: “o sonho de qualquer jovem artista é ser absorvido pelo sistema, ter conotação internacional, expor nas galerias e museus da moda aparecer nos média”. E é isso que vemos hoje; curadores e professores referenciando obras que eles mesmo cultivam, criadores de fogos de artifício.

Sempre as mesmas pessoas nos mesmos lugares, um ou dois curadores da moda no máximo, que nos obrigam a ver sempre as mesmas obras das mesmas pessoas.
Por outro lado é bem verdade que nunca se falou tanto sobre fotografia. Diz Charlotte Cotton: “estamos a viver um momento excepcional para a fotografia, pois hoje, o mundo da arte acolhe-a como nunca o fez e os fotógrafos consideram as galerias e os livros de arte o espaço natural para expor seu trabalho”.

Repetimos a pergunta, o que estamos vendo? “A percepção não se separa da compreensão. Todo o acto de ver implica saber o que se vê”, ensina Lorenzo Vilches.

Portanto, embora uma imagem possa remeter ao visível, tomar alguns traços emprestados do visual, sempre depende da produção de um sujeito. Lê-la não é tão natural como parece: “O facto de o homem ter produzido imagens em todo o mundo, desde a pré-história até aos nossos dias, faz com que acreditemos ser capazes de reconhecer uma imagem figurativa em qualquer contexto histórico e cultural. No entanto, deduzir que a leitura da imagem é universal, revela confusão e desconhecimento”(Martine Joly).

Ler uma imagem da contemporaneidade é tentar compreender a demanda de produção, a falta de  substância ou espessura por trás de uma imagem ou que leva muitos críticos a criarem definições como a estética inexpressiva nascida nos anos 50 na escola alemã; ou “imagens de alguma coisa”, fotografias que nascem do mero encontro casual; ou a “fotografia de consequência”, a que se liga mais ao documental. “Fotógrafos que desconstroem o fotojornalismo, fotografando temas ligados à imprensa mas com um olhar artístico”.

Ler uma imagem contemporânea é compreender que já ninguém quer ser fotógrafo hoje em dia, todos querem e se auto-denominam artistas. Mas ao mesmo tempo que procuram criar novas estéticas, a fotografia – sempre independente – transforma-se hoje pela mão destes artistas na imagem do banal, numa “fotografia sem qualidade”, como afirma Dominique Baqué fazendo referencia ao livro de Musil “Um homem sem qualidade”. 

A arte do banal.
A fotografia volta  a ser a arte de expressão de massa por excelência.
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