segunda-feira, 14 de maio de 2018

A PRIMEIRA EXPOSIÇÃO DE UMA SÉRIE COM O MESMO TÍTULO



Vai acontecer entre os dias 1 de Setembro e 8 de Novembro próximos,na Quinta do Ervedal em Santa Marinha do Zêzere, mas em 2019 haverá outras mostras com estes trabalhos a que se juntarão muitos mais com a participação de outros fotógrafos. Muitos mais fotógrafos, todos aqueles que desejem participar.

O REINO MARAVILHOSO definido por Torga é um vasto território que pretendemos explorar nas nossas viagens fotográficas. Ficas desde já convidado.

Vou falar-lhes dum Reino Maravilhoso. Embora muitas pessoas digam que não, sempre houve e haverá reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade, e o coração, depois, não hesite. Ora, o que pretendo mostrar, meu e de todos os que queiram merecê-lo, não só existe, como é dos mais belos que se possam imaginar. Começa logo porque fica no cimo de Portugal, como os ninhos ficam no cimo das árvores para que a distância os torne mais impossíveis e apetecidos. (…) Vê-se primeiro um mar de pedras. Vagas e vagas sideradas, hirtas e hostis, contidas na sua força desmedida pela mão inexorável dum Deus criador e dominador. Tudo parado e mudo. Apenas se move e se faz ouvir o coração no peito, inquieto, a anunciar o começo duma grande hora. De repente, rasga a crosta do silêncio uma voz de franqueza desembainhada: - Para cá do Marão, mandam os que cá estão!... Sente-se um calafrio. A vista alarga-se de ânsia e de assombro. Que penedo falou? Que terror respeitoso se apodera de nós? Mas de nada vale interrogar o grande oceano megalítico, porque o nume invisível ordena: - Entre! A gente entra, e já está no Reino Maravilhoso. A autoridade emana da força interior que cada qual traz do berço. Dum berço que oficialmente vai de Vila Real a Chaves, de Chaves a Bragança, de Bragança a Miranda, de Miranda a Régua. Um mundo! Um nunca acabar de terra grossa, fragosa, bravia, que tanto se levanta a pino num ímpeto de subir ao céu, como se afunda nuns abismos de angústia, não se sabe por que telúrica contrição. Terra-Quente e Terra-Fria. Léguas e léguas de chão raivoso, contorcido, queimado por um sol de fogo ou por um frio de neve. Serras sobrepostas a serras. Montanhas paralelas a montanhas. Nos intervalos, apertados entre os rios de água cristalina, cantantes, a matar a sede de tanta angústia. (…) Não se vê por que maneira este solo é capaz de dar pão e vinho. Mas dá. Nas margens de um rio de oiro, crucificado entre o calor do céu que de cima o bebe e a sede do leito que de baixo o seca, erguem-se os muros do milagre. Em íngremes socalcos, varandins que nenhum palácio aveza, crescem as cepas como os manjericos às janelas. (…) A terra é a própria generosidade ao natural. Como num paraíso, basta estender a mão. ”

UM REINO MARAVILHOSO - COLECTIVA DE FOTOGRAFIA




O Reino Maravilhoso e a Fotografia de Viagem.

A fotografia de viagem não é um género fotográfico propriamente dito. Sendo menos identificável do que as categorias clássicas de reportagem, retrato, paisagem, nu, ou natureza morta, a fotografia de viagem ainda é muitas vezes associada ao espírito da “National Geographic” e das imagens de locais exóticos. Mas agora, o "fotógrafo viajante" já não é necessariamente esse tipo de aventureiro que vai de máquina em punho, ao encontro das tribos mais pitorescas, descobrir as paisagens mais extraordinárias, ou confrontar-se com os climas mais extremos. Hoje, o mundo é sobejamente conhecido; basta digitar na Internet o nome de uma localidade da Patagónia, de um lago seco da Ásia Central ou de uma aldeia esquecida da África Meridional para descobrir logo dezenas, senão centenas de imagens. Então, o "fotógrafo-viajante" não sabe realmente o que deveria fotografar. Ele é a vítima do grande problema actual, a procura de um tema, de um assunto! E questiona-se sobre o que fotografar quando tudo já é visto, revisto e conhecido. O contexto comercial traz uma boa resposta para esta questão.

“Vou fotografar o que me pedem para fotografar!”

E assim, o "fotógrafo viajante" torna-se um contador de histórias bonitas, que nos diz quanto o povo é acolhedor e amigável, ou quão confortáveis ​​são os hotéis... Esses bons sentimentos carregados de imensas fotografias normalmente de fraca qualidade, tendem a tornar-se uma colecção de lugares comuns que visam apenas orientar os leitores para as portas das agências de viagens. Essa fotografia de viagem, que repete os mesmos destinos e os mesmos pontos de vista, não será apresentada nesta exposição. Não é o nosso propósito.

A fotografia contra os clichês, será o nosso credo!

Experiências singulares

Como o título da nossa exposição sugere, há "outras viagens fotográficas"; ou seja, outras formas de registar em fotografia, “O Reino Maravilhoso” sugerido por Torga. Essa visão diferente estará mais próxima da criação literária, uma área onde o género (conto de viagem) mantém todo o seu sabor. Muitos escritores saíram de clichés turísticos para tornar a viagem uma experiência pessoal. O autor fala então sobre a viagem para a primeira pessoa, permitindo-se a depoimentos ambíguos e a aventuras emocionais inesperadas. Então, por que não aplicar à fotografia a mesma exigência, e dizer que uma "boa" fotografia de viagem é uma imagem não publicitária, o traço de uma experiência singular e não o enésimo cliché de uma "beleza" exótica?

O espírito de viagem merece melhor do que estereótipos turísticos. É claro que o "público em geral" será sensível às cores pitorescas e belas e aos temas que ele reconheceu. Mas um "público informado" procurará uma escrita visual e o traço de uma personalidade numa sucessão de imagens que falam tanto dos autores quanto dos temas fotografados.

Uma visão pessoal de uma viagem não é interessante por natureza. E esta é uma das principais dificuldades do género. É o estilo que conta, não o número de quilómetros percorridos, nem a dificuldade física suportada. As fotografias tiradas durante a subida à Serra do Larouco (1527m) em pleno inverno não serão as fotos mais espetaculares, porque certas realidades são impossíveis de traduzir, com a mesma intensidade, em linguagem fotográfica. O pitoresco, a desorientação, a abordagem de uma cultura barrosã não são suficientes para dar às suas fotografias este suplemento de intensidade e emoção que faz a diferença. Caso contrário, cairemos na armadilha do simples "diário". A história, passo a passo, do seu périplo interessará apenas o seu círculo familiar…

Hoje (à data da grande colectiva), o "livro-álbum" que vamos editar sobre as nossas viagens, e que complementa a exposição, substitui nas nossas angústias recorrentes, o bom e velho serão de projecção de diapositivos. Agora é impossível escapar ao folhear lento desses álbuns impressos intermináveis. E é impossível adormecer discretamente como fazíamos, aproveitando a penumbra da projeção. Um livro-álbum vê-se em plena luz na companhia dos autores... Em 2018, o fotógrafo viajante que embarca num percurso "criativo" deve começar evitando certas práticas: não ser explorador, nem etnólogo, não ser também um fornecedor de imagens para "Operador de turismo", e deve sobretudo definir-se como um artista livre que questiona a sua relação com o seu “desterro” temporário, com o pitoresco, com outras culturas. Ele deve encontrar esse espaço pessoal onde a sua própria visão fará sentido. Será uma questão de temperamento, cultura, luz, sensação... Cada um de nós tem territórios que falam connosco, e outros que nos deixam insensíveis. Em alguns lugares, as imagens surgem de si mesmas, elas aparecem "rapidamente e bem"! Noutros locais, não conseguimos ver nada ou, porventura, não conseguimos desprender-nos das fotografias conhecidas e apreciadas que repetimos em cópias pálidas, sensaboronas. A magia da viagem fotográfica define-se aí. A luz do Planalto na Primavera, por exemplo, pode ser tanto um estímulo poderoso para as suas fotografias coloridas quanto uma armadilha, se alguém cair no colorido já visto e revisto.

Alguns temas estão "hipotecados", esgotados porque foram tratados com demasiada frequência. Sejam os mascarados de Ousilhão, os socalcos dos vinhedos do Douro, ou o espelho de água e a ponte de Trajano em Chaves, será difícil apropriarmo-nos desses assuntos para dar uma visão pessoal.

A viagem fotográfica é uma experiência individual: todos recebem esses "sopros de outro lugar" de uma maneira diferente. Alguns não precisam ir longe para experimentar esse sentimento único, que é a "sensação de viajar", um estado de disponibilidade que exacerba os nossos sentidos (visão, olfato, ouvido e tacto...). Outros precisam de se sentir suficientemente longe de casa para ter o olhar petrificante e o despertar do disparo. As futuras exposições e o livro estão abertas a todos os interessados em participar.

Não há receitas, não há regras estabelecidas, mas comportamentos individuais que fazem o encanto deste género de fotografia. As nossas fotografias de viagem devem reflectir essas diferenças de percepção, sensação e visão. É então que a fotografia se torna uma arte que ganha asas para voar...

A Galeria da Quinta do Ervedal será o primeiro local para a apresentação deste projecto, desta colectiva que se quer mais vasta, com mais participantes e noutros espaços expositivos numa mostra itinerante.

Aos agora convidados, Ana Filipe, António Cunha, António Pinto, António Sardinha, Filipe Carneiro, Francisco Cardoso, Henrique Raposo, Henrique Vaz Duarte, José Manuel Santos, Luis Raposo, Paulo Patoleia, Paulo Pereira, Pedro Ricca, Rui Monteiro, Teresa RiccaTeresa Teixeira e Virgílio Neves juntaremos muitos mais fotógrafos para as mostras que estamos a projectar para 2019.