O Reino Maravilhoso e
a Fotografia de Viagem.
A fotografia de
viagem não é um género fotográfico propriamente dito. Sendo menos identificável
do que as categorias clássicas de reportagem, retrato, paisagem, nu, ou natureza
morta, a fotografia de viagem ainda é muitas vezes associada ao espírito da “National
Geographic” e das imagens de locais exóticos. Mas agora, o "fotógrafo
viajante" já não é necessariamente esse tipo de aventureiro que vai de máquina
em punho, ao encontro das tribos mais pitorescas, descobrir as paisagens mais
extraordinárias, ou confrontar-se com os climas mais extremos. Hoje, o mundo é sobejamente
conhecido; basta digitar na Internet o nome de uma localidade da Patagónia, de um
lago seco da Ásia Central ou de uma aldeia esquecida da África Meridional para
descobrir logo dezenas, senão centenas de imagens. Então, o
"fotógrafo-viajante" não sabe realmente o que deveria fotografar. Ele
é a vítima do grande problema actual, a procura de um tema, de um assunto! E
questiona-se sobre o que fotografar quando tudo já é visto, revisto e
conhecido. O contexto comercial traz uma boa resposta para esta questão.
“Vou fotografar o que
me pedem para fotografar!”
E assim, o
"fotógrafo viajante" torna-se um contador de histórias bonitas, que nos
diz quanto o povo é acolhedor e amigável, ou quão confortáveis são os hotéis... Esses bons
sentimentos carregados de imensas fotografias normalmente de fraca qualidade,
tendem a tornar-se uma colecção
de lugares comuns que visam apenas orientar os leitores para as portas das
agências de viagens. Essa fotografia de viagem, que repete os mesmos destinos e
os mesmos pontos de vista, não será apresentada nesta exposição. Não é o nosso
propósito.
A fotografia contra
os clichês, será o nosso credo!
Experiências
singulares
Como o título da
nossa exposição sugere, há "outras viagens fotográficas"; ou seja,
outras formas de registar em fotografia, “O
Reino Maravilhoso” sugerido por Torga. Essa visão diferente estará mais
próxima da criação literária, uma área onde o género (conto de viagem) mantém
todo o seu sabor. Muitos escritores saíram de clichés turísticos para tornar a
viagem uma experiência pessoal. O autor fala então sobre a viagem para a
primeira pessoa, permitindo-se a depoimentos ambíguos e a aventuras emocionais inesperadas.
Então, por que não aplicar à fotografia a mesma exigência, e dizer que uma
"boa" fotografia de viagem é uma imagem não publicitária, o traço de
uma experiência singular e não o enésimo cliché de uma "beleza" exótica?
O espírito de viagem
merece melhor do que estereótipos turísticos. É claro que o "público em
geral" será sensível às cores pitorescas e belas e aos temas que ele
reconheceu. Mas um "público informado" procurará uma escrita visual e
o traço de uma personalidade numa sucessão de imagens que falam tanto dos autores
quanto dos temas fotografados.
Uma visão pessoal de
uma viagem não é interessante por natureza. E esta é uma das principais
dificuldades do género. É o estilo que conta, não o número de quilómetros
percorridos, nem a dificuldade física suportada. As fotografias tiradas durante
a subida à Serra do Larouco (1527m) em pleno inverno não serão as fotos mais
espetaculares, porque certas realidades são impossíveis de traduzir, com a
mesma intensidade, em linguagem fotográfica. O pitoresco, a desorientação, a abordagem
de uma cultura barrosã não são suficientes para dar às suas fotografias este
suplemento de intensidade e emoção que faz a diferença. Caso contrário,
cairemos na armadilha do simples "diário". A história, passo a passo,
do seu périplo interessará apenas o seu círculo familiar…
Hoje (à data da
grande colectiva), o "livro-álbum" que vamos editar sobre as nossas
viagens, e que complementa a exposição, substitui nas nossas angústias recorrentes,
o bom e velho serão de projecção de diapositivos. Agora é impossível escapar ao
folhear lento desses álbuns impressos intermináveis. E é impossível adormecer
discretamente como fazíamos, aproveitando a penumbra da projeção. Um livro-álbum
vê-se em plena luz na companhia dos autores... Em 2018, o fotógrafo viajante
que embarca num percurso "criativo" deve começar evitando certas
práticas: não ser explorador, nem etnólogo, não ser também um fornecedor de
imagens para "Operador de turismo", e deve sobretudo definir-se como
um artista livre que questiona a sua relação com o seu “desterro” temporário,
com o pitoresco, com outras culturas. Ele deve encontrar esse espaço pessoal
onde a sua própria visão fará sentido. Será uma questão de temperamento,
cultura, luz, sensação... Cada um de nós tem territórios que falam connosco, e outros
que nos deixam insensíveis. Em alguns lugares, as imagens surgem de si mesmas,
elas aparecem "rapidamente e bem"! Noutros locais, não conseguimos
ver nada ou, porventura, não conseguimos desprender-nos das fotografias
conhecidas e apreciadas que repetimos em cópias pálidas, sensaboronas. A magia
da viagem fotográfica define-se aí. A luz do Planalto na Primavera, por
exemplo, pode ser tanto um estímulo poderoso para as suas fotografias coloridas
quanto uma armadilha, se alguém cair no colorido já visto e revisto.
Alguns temas estão
"hipotecados", esgotados porque foram tratados com demasiada
frequência. Sejam os mascarados de Ousilhão, os socalcos dos vinhedos do Douro,
ou o espelho de água e a ponte de Trajano em Chaves, será difícil apropriarmo-nos
desses assuntos para dar uma visão pessoal.
A
viagem fotográfica é uma experiência individual:
todos recebem esses "sopros de outro lugar" de uma maneira diferente.
Alguns não precisam ir longe para experimentar esse sentimento único, que é a
"sensação de viajar", um estado de disponibilidade que exacerba os
nossos sentidos (visão, olfato, ouvido e tacto...). Outros precisam de se
sentir suficientemente longe de casa para ter o olhar petrificante e o despertar
do disparo. As futuras exposições e o livro estão abertas a todos os
interessados em participar.
Não há receitas, não
há regras estabelecidas, mas comportamentos individuais que fazem o encanto
deste género de fotografia. As nossas fotografias de viagem devem reflectir
essas diferenças de percepção, sensação e visão. É então que a fotografia se
torna uma arte que ganha asas para voar...
A Galeria da Quinta
do Ervedal será o primeiro local para a apresentação deste projecto, desta
colectiva que se quer mais vasta, com mais participantes e noutros espaços
expositivos numa mostra itinerante.
Aos agora convidados,
Ana Filipe, António Cunha, António Pinto,
António Sardinha, Filipe Carneiro, Francisco Cardoso, Henrique
Raposo, Henrique Vaz Duarte, José Manuel Santos, Luis Raposo, Paulo Patoleia, Paulo
Pereira, Pedro Ricca, Rui Monteiro, Teresa Ricca, Teresa
Teixeira e Virgílio Neves juntaremos muitos mais fotógrafos para as mostras que estamos a
projectar para 2019.
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