Subitamente, sem qualquer sinal de aviso, penetrei numa outra dimensão do espaço e do tempo. Já não me encontrava naquela Beijing que tinha conhecido durante quase uma semana. As grandes avenidas apagaram-se, as memórias de um passado Imperial não estavam aqui. Na vez dos arranha-céus de vidro espelhado, via casas de piso térreo. 10 minutos antes atravessava largas avenidas com centenas de pessoas anónimas, e naquele local observava uma aldeia de vizinhos, com o seu mercado de rua, vendendo e comprando galinhas, peixes, legumes, frutas. Como ocidental, ainda me arrepio ao pensar nesta sensação de viajar no tempo, ao virar da esquina. Ainda era uma Beijing não encantada com o estrangeiro e com o progresso, ainda ciosa do seu quatidiano de aldeia e banal, cada vez mais raro nos nossos dias. Tive a nítida sensação que estava a assistir ao fim de uma era que inexplicavelmente tinha sobrevivido até aos nossos dias. Que aquele tipo de local era incompatível com as outras experiências de modernidade e progresso que tinha presenciado em Beijing. Que aquele local, com a sua peculiar forma de organização física e social estava ameaçado. Foi assim o meu primeiro contacto em Agosto de 2005, com os Hutongs de Beijing na parte Sul (sudeste).
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Assim começa o texto de apresentação de Júlio de Matos nesta sua exposição que está patente no Centro Português de Fotografia.
Uma exposição a não perder. Um rigor absoluto, uma série de documentos de rara beleza.
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