A fotografia (O exercício fotográfico) é uma espécie de truque. Quando
fotografamos, revelamos aquilo que está na frente da lente, mas ocultamos o que
está por trás da câmara.
Desta forma, quem vê a fotografia impressa pode colocar-se no lugar de observador
e ver a cena estabelecendo com esta uma relação directa. As fotografias bem
feitas — dentro desse espírito — são aquelas que nos fazem cair nessa ilusão
sem nos lembrarmos que havia alguém a fotografar.
E o que é que está por trás da câmara e que se torna oculto?
É o próprio fotógrafo (a menos que se esteja a fazer um autorretrato). O
fotógrafo é um fantasma, que busca criar uma ligação directa entre aquilo que
ele fotografa e quem vê as suas fotografias, montando essa relação de forma
engenhosa, a fim de permanecer invisível. O trabalho de muitos fotógrafos é o
de estabelecer sentidos e significados baseados nessa ilusão que a câmara
fotográfica permite.
É possível que a fotografia seja tão atraente porque cria essa
possibilidade do autor oculto, um contexto em que se pode falar de algo, expressar-se
sem se implicar. Parece que na pintura ou na literatura a responsabilidade do
autor estão muito mais presentes. Será que o fotógrafo pode realmente dizer
alguma coisa sem estar lá, mostrando apenas de forma imparcial e objectiva?
Mesmo que ele deseje, isso não é possível. A relação pura entre a cena e o
observador, entre o significado e o seu intérprete, não resiste a uma análise
um pouco mais demorada. O fotógrafo não pode excluir-se do processo porque, por
mais que tente, sempre acabará a fotografar-se a si mesmo.
Primeiro porque ele só pode fotografar aquilo que vive. Ele precisa de
estar nesse local para o fotografar. Depois, porque o aspecto mais importante
da fotografia, o assunto, ou o que fotografar, é uma atitude que está
totalmente nas mãos do fotógrafo. Não há equipamento ou automatismo que possa
auxiliar nesse aspecto: é o fotógrafo que decidirá o que vai ficar dentro ou
fora do quadro. Por mais que se use uma grande angular, não se pode fotografar
tudo, e a selecção entre o que é fotografável ou não — o corte — é uma
exposição completa do seu autor.
Além disso, existem outros aspectos que, ao serem bem observados,
desmontam a ilusão fotográfica e permitem-nos ver o fotógrafo: como ele utiliza
a câmara, o ângulo em que ele se coloca, como ele faz o pós-processamento das
suas fotografias. E, no final do processo, o próprio facto de publicar ou expor
uma fotografia, seja em que meio for, mostra que aquela imagem, da forma em que
é apresentada, corresponde ao que o fotógrafo considera bom para ser visto. A
fotografia pronta e publicada evidencia os seus critérios de qualidade e o seu
julgamento.
A fotografia pode então, ter um aspecto sedutor ao parecer uma arte anónima,
em que o fotógrafo pode ter a ilusão de se ocultar e apenas mostrar o que está
à sua frente, sem se implicar. Mas essa é uma mera ilusão facilitada pela forma
como a câmara funciona. O trabalho do fotógrafo pode até ser menor do que o
envolvido em outras artes, mas basta olhar um pouco além do que a cena nos mostra
para que possamos observá-lo. Afinal de contas, o que o fotógrafo faz é
convidar-nos para assumir o seu lugar, a sua posição e a sua visão dentro do
mundo, num determinado momento.
O que pode ser mais revelador do que isso?
Adaptado de um texto de Rodrigo F. Pereira
Em “Câmera Obscura”
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