domingo, 19 de julho de 2009

A Luz e o Ritmo na Fotografia

Decidi que devia voltar ao meu "Almanaque Português de Fotografia" - Edição de 1958 e transcrever para aqui este pertinente conceito do Augusto Cabrita.
Sempre nos vai alertando para melhorar os nossos trabalhitos...
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Quando o fotógrafo, por um impulso emotivo, não se contenta apenas em reproduzir mecanicamente a realidade e deseja inter­pretá-la com um cunho vincadamente pessoal, tem que atender, fundamentalmente, aos elementos essenciais da composição foto­gráfica. Trataremos, neste artigo sobre composição, de dois desses elementos básicos da arte de compor: a Luz e o Ritmo. De facto, sem luz não pode haver fotografia, e é da sábia escolha deste elemento que o fotógrafo dá plasticidade às ima­gens. Não basta, pois, — como é vulgar ouvir dizer-se — que uma fotografia «resultou» devido à acção única e exclusiva dum bom fotómetro!... A célula foto-eléctrica, quanto muito, é um óptimo auxiliar de que o fotógrafo dispõe para «medir» a luz. Mas o que é essencial, acima de tudo isto, é saber «interpretar» essa luz! Claro que, ao falarmos de luz, temos que nos referir às sombras pro­jectadas pelos corpos iluminados e é do equilíbrio entre as partes luminosas e as zonas escuras, que reside muitas vezes o êxito duma fotografia. Ãs sombras e às respectivas gradações dentro do claro-escuro, está reservado um papel importantíssimo na com­posição fotográfica, de tal modo que o fotógrafo deve saber provocar essas sombras, quer usando a luz artificial ou esco­lhendo a hora ideal do dia para fotografar. Falando do outro elemento essencial da composição fotográ­fica — o Ritmo — e definindo-o como sendo um equilíbrio de pontos de interesse que faz com que a vista realize o seu reconhe­cimento pela fotografia, sem a deixar «descansar» demasiada­mente em quaisquer desses pontos, diremos que, do íntimo acordo entre estas duas condições — Luz e Ritmo — resultará o carácter e o ambiente da composição. Tal como há pouco afirmámos, quando nos referimos ao papel que o fotómetro exerce no espírito de certas pessoas, como único responsável no êxito dum fotografia, diz-se, por vezes, que certa e determinada fotografia tem vida, apenas porque houve «muita sorte» da parte do fotógrafo em apanhar uma série de pessoas em atitudes de franca actividade! De certo que, o factor sorte e a espontaneidade de movimen­tos, ajudam muito o «caçador de imagens», mas a grande difi­culdade reside, sem dúvida, em saber interpretar esse momento. E quantas fotografias não há que, apesar de serem arrancadas à vida real, não nos infundem uma sensação de vitalidade e de movimento? Por vezes, um objecto estático ou uma simples linha sabiamente fotografados podem emprestar-nos uma sensação forte de movimento e um automóvel em desenfreada correria não nos provocar qualquer noção de velocidade. Tudo depende, pois, do arranjo rítmico da imagem! E como tudo na vida é ritmo, se uma fotografia não for organizada de modo a que todos os elementos de que o fotógrafo dispõe sigam esse «caminho fácil» que a vista depois percorrerá, ao ser levada por uma sucessão ordenada de linhas, a fotografia resultará fria, estática — sem vida! E não é difícil, quando contemplamos uma boa fotografia, descobrirmos a razão por que ela nos infunde essa agradável sensação de vitalidade. Verificamos que essa fonte de energia tem origem na maneira como o fotógrafo concebeu ritmica­mente a sua obra, transmitindo-nos a impressão viva de quanto viu e sentiu. Uma vez traçado esse caminho fácil de se percorrer com a vista, verificar-se-á que, através dele, se poderá construir um ARABESCO rítmico, por meio de linhas reais ou fictícias. A linha tem, por si mesma, uma grande potência de direcção e emotividade. A vertical, por exemplo, dá-nos uma impressão de grandeza; à horizontal associa-se imediatamente a ideia de repouso e tranquilidade; a diagonal é essencialmente uma linha de movimento, sugerindo acção, excitação e inquietude, enquanto que a curva nos dá uma doce sensação de graciosidade. E, pois, através das qualidades emotivas das linhas, que po­dem ser sugeridas as mais diversas sensações de ambientes e estados de alma.
Análise do Ritmo
Para ilustrar o que dissemos acerca do papel que o Ritmo desempenha na fotografia, escolhemos três fotografias de autores portugueses, com o fim de, ante a sua representação esquemá­tica, analisarmos a maneira como o fotógrafo realizou a estru­tura da sua obra e, ao mesmo tempo, demonstrar que o «clima» criado se deve essencialmente à interpretação que o autor deu ao motivo escolhido (onde a natureza não foi mais que um sim­ples pretexto) dispondo duma maneira organizada os elementos constituintes da composição. Dissemos também que a linha possuía por si mesma uma grande potência de direcção e emotividade, e que era através das suas qualidades emotivas que poderiam ser sugeridas as mais diversas sensações de ambientes. Pois bem: a sensação que nos sugere a primeira dessas três fotografias que escolhemos para analisar — intitulada «Vento» — é de facto, como pretendeu o autor, o distinto amador Eng. Cha­gas dos Santos, a de «um dia de vento! É certo que um fotógrafo inexperiente, sem quaisquer conhe­cimentos das mais elementares regras de composição, também poderia ter fotografado este assunto. Todavia, uma vez apre­sentada a fotografia, verificaríamos que o ambiente criado havia sido mais um assunto de roupa estendida, confusamente disposta, e nunca o de «um dia de vento>! Para se obter este efeito, houve que se escolher o ângulo ideal para a tomada de vista, de modo a que as linhas rítmicas produzissem todo o seu efeito emotivo. Esta fotografia é um exemplo frisante de RITMO ANGULAR, conforme se pode veri­ficar através das linhas tracejadas na sua representação esque­mática. O RITMO ANGULAR determina um movimento forte, com direcção muito definida. De facto, ao olharmos para esta prova, sentimos uma sensação forte de movimento da direita para a esquerda — como que um impulso produzido por uma violenta rajada de vento. É de notar também que todos os «pontos de interesse» desta fotografia, dispostos nesse «caminho fácil» de se percorrer com a vista (referimo-nos à diagonal dominante desta prova) «aju­dam», pelos seus ritmos angulares, a que se obtenha a sensação desejada. Repare-se que até a simples árvore, colocada na parte infe­rior da fotografia, imprime, pela agudeza do ângulo formado pela sua posição inclinada, um movimento dinâmico e agitado. Na realidade, quanto mais agudo for o ângulo mais o movi­mento se torna violento e incisivo, ao contrário dog ângulos muito abertos que nos dão a sensação dum movimento lento. A segunda fotografia que apresentamos para exemplificar outro arranjo rítmico — RITMO EM ESPIRAL — é a prova «Ho­mem do Mar», do autor deste artigo. Se olharmos para a representação esquemática desta foto­grafia, notamos que, o desenvolvimento linear do seu arabesco, toma a forma duma espiral.
De facto, a vista «entra» naturalmente pelo ombro — cuja posição dá estabilidade à composição — seguindo depois o «seu caminho» num movimento em espiral em redor da cabeça do pescador, para se deter finalmente na borla do barrete — que marca, por assim dizer, o terminus «dessa viagem».Por último, escolhemos para fazer a análise rítmica, a magnífica prova — «Dinamismo» — do consagrado amador de Coimbra, David de Almeida Carvalho.
Esta fotografia devido ao seu desenvolvimento linear, é um sugestivo exemplo dum outro arrajo rítmico, ou seja: RITMO EM HÉLICE.
O ritmo em forma de hélice dá-nos, pelas qualidades emotivas das suas linhas, uma sensação de força, excitação e movi­mento. De facto, se olharmos detidamente para a fotogravura da prova «Dinamismo» e em seguida para a sua representação esquemática (na qual construímos, em linhas tracejadas, o respec­tivo arabesco rítmico) verificamos que a nossa vista entra, natu­ralmente, pela parte inferior esquerda da fotografia, sendo depois levada a percorrer «aquele caminho fácil», num impulso ascen­sional, com um breve momento de repouso no primeiro ponto de interesse que encontra: o elemento humano, colocado no «ponto forte» da composição. Este elemento — uma banhista que sobe uma escada — «reforça» o sentido rítmico da imagem, ajudando a vista a percorrer o resto do «seu caminho».
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