Todas as obras de arte podem ser eróticas, pois o erotismo está nos olhos de quem o vê. Jean-Paul Sartre, em "A Infância de um Chefe", escreve que "é um erro acreditar que existam objectos específicos do desejo sexual e que estes se resumam às mulheres. Tudo pode ser objecto do desejo". Um par de sapatos altos, um vestido transparente, um cavalo, um copo de leite. A nossa mente permite descodificá-los como objectos meramente representativos ou como símbolos eróticos poderosos, capazes de desencadear fetiches quase sempre inaceitáveis pela sociedade. Isso é já o suficiente para que muitos vejam neles uma obscenidade, numa tentativa irrefreável de negar o exercício do próprio prazer.
Como não poderia deixar de ser, são
raros os livros que tratam deste assunto sem medo de reproduzi-lo. É o caso de Arte
Erótica, da editora Taschen, editado por Angelika Muthesius com texto de Gilles
Néret. O autor explica que não é fácil descobrir e reproduzir obras eróticas.
Os próprios artistas e posteriormente seus testamenteiros são os primeiros a
escondê-las, dificultando o registo. Os curadores abstêm-se geralmente,
evitando expô-las ao público. Em vista disso, o autor elaborou o seu texto em
concordância com as obras a que teve acesso. Em cinco capítulos, Néret aborda o
assunto com precaução, passando da importância do vestuário ao despir das
roupas, dos jogos sensoriais à beleza do obsceno na cópula explícita, da Escola
de Fontainebleau a Gilbert & George, de Tom of Finland a Marcel Duchamp.
Repleto de chamadas para obras literárias e filosóficas, o texto é fartamente
ilustrado por reproduções coloridas dispostas em sequência lógica, numa
analogia surpreendente.
O falso pudor da sociedade hipócrita
diante da arte erótica é bem ilustrado no início desse livro por uma passagem
de Baudelaire, em Mon coeur mis à nu.
"Todos os imbecis da burguesia, que pronunciam as palavras moralidade e
imoralidade na arte, trazem-me à memória Louise Villedieu, puta de cinco
francos. Quando me acompanhava ao Louvre, ela começou a corar e perguntou-me,
perante as estátuas e quadros imortais, como era possível exibir-se
publicamente tais indecências..." A verdade é que todos nós – e não apenas
Louise Villedieu e os artistas – apesar de tentarmos negar, somos obcecados
pelo corpo humano.
Há os artistas que destacam o corpo
feminino, como Auguste Rodin, Pablo Picasso e René Magritte, manifestando o
desejo de modificá-lo, fazendo de seus pormenores, objectos de um fetichismo
colectivo, onde peças de vestuário surgem como uma segunda pele. Outros
evidenciam o ideal masculino, como Francis Bacon, Andy Warhol e Robert
Mapplethorpe. Christo e Jeanne Claude fazem inúmeras alusões antropomórficas às
genitálias de ambos os sexos. Os órgãos sexuais que hoje chocam já foram
representados com naturalidade por egípcios, persas, gregos, chineses e outros
povos. A pedofilia é um tema que atormenta Caravaggio, Agnolo Bronzino,
Salvador Dali e Balthus. A obra maneirista "Vênus e Cupido", pintada
por Bronzino em 1540-45, ainda escandaliza por mostrar mãe e filho em jogos
eróticos, num caso de incesto observado por uma multidão de voyeurs.
Mas nem todas as obras eróticas se
resumem à presença de símbolos de sugestão. Algumas são totalmente claras,
explícitas, retratando a cópula como ideal de beleza e prazer. A maioria delas
resume-se a obras raras, de Leonardo da Vinci a Picasso. Poucos fizeram desta
representação o tema principal. É o caso de George Grosz, processado por isso
na Alemanha, antes de se naturalizar americano, em 1938.
O século vinte foi visivelmente
marcado por mudanças radicais de comportamento, registadas na arte através do
erotismo. O corpo foi transformado
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